domingo, 5 de setembro de 2010

ENCONTRO DE ESCRITORAS.

DIA DA VISIBILIDADE LÉSBICA
Com a palavra, escritoras lésbicas
Domingo 29 de Agosto de 2010, por Terezinha Vicente in Site Ciranda Brasil.

Promovido pela Editora Malagueta, e realizado na Livraria da Vila, o encontro, de gerações e escritas diversas, lotou o auditório, mostrou experiências e levantou polêmicas, principalmente a de sempre: pode-se falar da existência de uma literatura lésbica? A editora Laura Bacellar e sua sócia, Hannah Korich, resolveram comemorar os dois anos de sucesso do empreendimento editorial, convidando nada menos do que 10 autoras de literatura lésbica, publicadas por diferentes editoras, para falar de seus livros e da razão pela qual escrevem.
Também houve o lançamento do primeiro livro de não ficção da Malagueta -Lésbicas na TV: The L Word, de Adriana Agostini. Um mergulho profundo sobre o inovador seriado americano, sem deixar de lado a paixão da autora pelas personagens da telinha. Adriana é mestre em Comunicação Social, além de trabalhar como jornalista, e diz que virou adolescente desde o primeiro dia em que assistiu a série, já com seus 40 anos de idade. Considera a série um marco na tv, com tanta visibilidade a protagonistas lésbicas e felizes.
Elas dizem escrever sobretudo porque gostam de escrever, em primeiro lugar; e sentiram falta na literatura de personagens com as quais se identificassem. E todas homenagearam o papel importante de Laura Bacellar como editora na batalha pela temática, abrindo caminho para as mais jovens sobretudo. Danda Prado, presente ao evento, foi imediatamente lembrada pelas pioneiras, a partir de Bertha Solares, como precursora de literatura lésbica, pelo selo “Aletheia”, da Brasiliense. Também as “Edições GLS”,da Summus, foram lembradas. Fato é que essas coleções que se extinguiram, e agora a Malagueta vem ocupando este espaço necessário.
Lúcia Facco, escritora carioca e pesquisadora das mais lidas e citadas, foi a primeira a falar de sua experiência. Graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura, ela vem procurando compreender o homoerotismo na literatura, e buscando nos seus escritos naturalizar as relações homoafetivas. Lúcia teve sua tese de doutorado, sobre homofobia na literatura infantil, publicada em 2009, pela Summus; além de artigos e ensaios, ela publica contos e romances desde 2004. Foi acusada por um blog de querer que todas as crianças virem homossexuais, devido a algum grande trauma que tivesse passado. Lúcia tem um filho que, com dez anos de idade, foi quem a inspirou a pesquisar seu doutorado.
Historiadora, Bertha Solares, disse ter ligado à esta paixão outras duas: o amor entre mulheres e as grandes cidades do mundo. Destacado por ela, e reforçado pelas outras, a importância da solidariedade entre escritoras e editoras lésbicas, a troca de leituras, as dicas, a abertura de portas comuns... sem as quais eu não existiria, diz Bertha. Uma das citadas e presentes, Stella Ferraz, publica desde 1999. E nos informa que, graças ao trabalho de Danda Prado, seu nome consta do “Dicionário de Escritoras Brasileiras”.
Valéria Melki Busin começou com contos. Depois, publicou, pela Summus, dois livros que pretendiam compor uma trilogia - sobre as descobertas das adolescentes e sobre as mulheres entre 30 e 40 anos - "mas eu não vou finalizar a trilogia, fui abduzida por outros projetos", diz Valéria, um deles com a Malagueta. Renata Pallottini, dramaturga e poeta conhecida, reivindicou a poesia como necessária, devendo-se reservar para ela um espaço, e leu alguns poemas...
“o meu prazer é um sonho no teu corpo...
“...o corpo é uma resposta pronta, profunda...
“... descobrir o infinito da carne no infinito da alma”.
Mariana Cortez inaugurou a fala da ala jovem das escritoras, as que começaram na internet, com blogs e contos. Para ela foi fundamental haver alguma literatura lésbica para ler na adolescência, ajudou-a a se ver melhor e ter coragem de se expor. Desde 2004 escreve contos na internet, obtendo grande retorno, suas leitoras fizeram crescer suas personagens. Karina Dias também foi incentivada pelos muitos emails de leitoras de sua primeira história na internet. Ainda sem livro publicado, Drikka Silva foi levada a Malagueta pelas outras escritoras e diz que sua inspiração é buscar o que não existe, imaginar o inimaginável. Já Naomi Conte diz sempre ter escrito contos lésbicos porque acredita que escrevemos sobre o que conhecemos.
Além dos novos veículos para a publicação das mais jovens, elas falam de uma nova literatura lésbica, produto de uma vivência um pouco mais livre da sexualidade diferenciada. “É nova porque deixou de ter o ranço melancólico e triste da literatura lésbica mais antiga”, opina Mariana. Sua geração de lésbicas, com as trocas via internet, começou a perceber que vivem como todas as demais pessoas e a escrever mais, mas também gostam de publicar livros. Karina Dias diz ter se impressionado com a quantidade de leitoras que tinham medos diversos de viver sua lesbianidade, ao contrário dela mesma, que saiu do armário aos 17 e diz que isso nunca interferiu em sua vida.
O debate mais polêmico foi sobre a tal literatura lésbica. Questionou-se essa categoria, assim como se questiona se existe uma literatura feminina. Embora a maioria diga que o mais importante é ser boa ou má literatura, tocar na universalidade do ser lésbica neste mundo ocidental "onde a literatura é heteronormativa, patriarcal e falocêntrica", como disse Lúcia Facco, é um fato político; a existência de uma literatura gay/lésbica é afirmativa para o segmento. Bertha Solares conta que há quinze anos não lê literatura escrita por homem, trabalhou academicamente com movimentos de mulheres e feministas, e passou a gostar cada vez mais do outro olhar, da ótica das mulheres. Ela protesta contra as poucas publicações de autoras e a quase inexistência de personagens homossexuais nos livros publicados anualmente. Como disse Valéria Melki, por enquanto precisamos dessa afirmação política da literatura lésbica.

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