domingo, 12 de setembro de 2010

Alucinada-Mente.

Manhã de verão em pleno inverno. Cheiro de dia alegre se misturando com perfume de shampoo. Grandes esperanças. Talvez a volta da tranqüilidade perdida.
Por que ser assim? Dê que cabeça a gente tira as coisas que entram na nossa cabeça e não nos deixam enxergar?
Queria pegar um médico para investigar. Não desses que tem por ai. Todos eles neuroentendedores de gente. Mas um cientista para colocar a minha cabeça para pesquisa.
Só que queria saber todos os resultados in loco. Ver-me por fora. De fora de mim. Entender-me de fora. Analisar de fora.
Uma cabeça na mesa de cirurgia asséptica. Eu do lado de fora vendo o lado de dentro de fora.
Acharíamos juntos os entendimentos dos meus pensamentos?
Desconstruiríamos juntos os meus sentimentos?
De volta ao útero materno secreto. Desconhecido. Mater fantasma. Possívelmente mais medrosa que eu.
Continuamos na busca.
Retiramos com uma lâmina fina e afiada uma fatia. Escorre pela face um líquido cor de neve. Talvez seja neve mesmo. Dentro de mim?
Vidas passadas, passadas em outras vidas, outros lugares?
Cheiro doce. Amêndoa doce?
Ouvimos música. Nem meu eu de fora sem-cabeça, nem o pesquisador anônimo sabemos de onde vem.
Apuramos o ouvido. Sons de metal. Trompetes? Sax-barítonos?Flautas?
Com certeza não.
Sons em si - bemol maior. Eles não existem, mas como são reais? Audíveis. Percorrem a sala e depois somem.
A cabeça parece viver sem mim. Ser sem mim. Um outro eu fora de mim.
Eu vacilo, dou um passo para trás. Para mim tudo pode ficar assim.
Cabeça na mesa e eu sem sentir. No entanto mesmo com ela fora do meu corpo meus próprios olhos me olham e seu sou obrigada a ver-me das duas formas.
De fora um não-eu consciente-inconsciente e um eu de dentro inconsciente-consciente.
A busca continua sem que eu chegue perto de mim.
Sou inatingível a mim mesma. Incompreensível para mim.
Minha cabeça me olha da mesa e parece querer me dar pistas. E essas pistas levam ao caminho do coração.
Decidimos o pesquisador e o eu de dentro e o eu de fora que o próximo passo é arrancar o coração. Ele não nos serve mais.
Não precisamos de uma bomba que bate. Não há mais porta para abrir.
Sem cabeça, sem coração. Sobram dúvidas e essas fragilidades todas.
Optamos por tirar os rins. Não vamos deixá-lo filtrar mais nada. Sem pensamentos filtrados.
Arrancamos à força o fígado. Que ele não mais fabrique drogas alucinantes, anestesiantes, excitantes.
Quase nada resta nesse ex-corpo deitado na mesa.
Não há mais órgãos que respondam o que eu quero saber.
E no começo tudo parecia tão tranqüilo. Era apenas um banho de espuma. Uma água com shampoo a escorrer.
Dor. Dor de quê? Dor da falta. Que falta? De mim? De quem?
Falta do eu não-eu que vive no mim sem-mim?
Busca? Sonho? Alucinação?
No fim do banho. No fim da manhã. No fim de inverno. No fim do fim foi que descobri que nada existe de mim.
Personagem criada, identidade falsificada. Não restou nada enfim.
Apenas uma mente.
Apaixonada-Mente.
Alucinada-Mente.
Bertha Solares.





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